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Agenda cultural / Clube de Leitura Voraz lê “Sagu”, de Mariana Berta

A primeira edição de 2021 do Clube de Leitura Voraz da Humana Sebo e Livraria já tem data, hora e livro marcados. Será no dia 27 de fevereiro, sábado, às 10h. O título selecionado é “Sagu”, de Mariana Berta. A mediação será realizada pelo Coletivo Inço (Audrian Cassanelli + Diana Chiodelli) e por Joseana Stringini da Rosa, que conduzirão o debate oferecendo seus pontos de vista sobre o livro.

O formato será peripatético novamente já que evita a aglomeração em locais fechados. Tal qual nos ensinaram os filósofos gregos Sócrates e Aristóteles, que falavam enquanto andavam pelas ruas de Atenas, para garantir que a mente e o corpo estivessem em pleno movimento, a proposta é caminhar pelo interior de Chapecó enquanto conversamos sobre o livro “Sagu”.

O ponto de encontro e chegada será o Pachamama, no Assentamento Dom José Gomes, próximo ao bairro da Água Amarela, em Chapecó. Sairemos para a caminhada às 10h e ao voltarmos um almoço colonial e orgânico será servido, também ao ar livre. As vagas são limitadas.


Sobre o livro “Sagu”:

Sagu é uma preciosidade feita em nosso entorno. Em uma edição autoral – com projeto gráfico de Tina Merz e coordenação editorial de Gabi Bresola da miríade edições – a temática do campo ganha centralidade. O livro carrega em seu cerne uma crítica radical ao agronegócio e uma ode à vida campesina. A escrita de Mariana traz relatos de sua própria experiência ao lado da família na lida rural diária. Assim começa o livro: “A estrebaria, lugar onde minha mãe tirou leite por mais de trinta anos, não era nem a nossa casa, nem era a escola a gente estudava. Nela a gente não podia ser o que era em casa, muito menos o que era na escola. Era outra coisa”. O livro é composto por imagens e textos.


Uma breve entrevista com Mariana Berta, autora de “Sagu”:

Pergunta: Sagu é uma sobremesa apetitosa que transita pelas mesas do sul do Brasil. E o seu “Sagu”, como é?

Resposta: Apetitoso não sei, mas de comer com certeza, porque escrevi ele como quem cozinha. Escrevi o “Sagu” no entre meio da lida, tanto com a comida, quanto com a terra e com os bichos, quando finalizei (tecnicamente) o trabalho, notei que meu teclado estava todo cheio de craca, pensei minha nossa senhora, se eu consegui finalizar esse curso de artes visuais foi pela força das craca. As sujeiras têm grande sabedoria, elas não me deixavam esquecer de onde eu vim, sempre que me tocava escrever e pensar sobre conteúdos extremamente alheios ao meu contexto, eu olhava pras minhas mãos, olhava pros meus pé rachado e pensava: vou escrever o “Sagu” só de raiva.

E talvez por isso ele não seja tão apetitoso. Ele não e slípigo, não desce escorregando na goela, igual o sagu sagu mesmo… pra mim, ele desce demorado, dando nó na garganta, tanto que me embaça as vistas, até hoje. Não escrevi ele com um espírito conciliador, de remediação das nossas mágoas históricas, do tipo “o vinho encontrou a mandioca e a paz reinou”. Muito pelo contrário, ele surgiu de um corpo social profundamente doente, que trata as suas feridas escondendo e maquiando toda a dor. E ferida inflamada não cura nunca.

Por isso, acho que as cracas que vivem embaixo do meu teclado deixaram as palavras doentes, igual os fungos que adoecem as lavouras de monocultivo de soja, deixaram elas com febre de pecado coletivo, de liberdade… fertilizaram minha linguagem.

 

Pergunta: De que modo a sua experiência e memória aparecem neste livro?

Resposta: “Sagu” foi forjado na relação profunda de estranhamento e pertencimento, nas sucessivas tentativas de construir comunidade longe de casa, trabalhando, estudando, aprendendo a me defender individualmente e coletivamente. Todo mundo acha que o êxodo rural afeta e incomoda estritamente o povo da roça, isso não é verdade. Pergunte pro grupo docente universitário da nossa época, que teve que lidar com todo um bando de piazada que veio fugida, atiçada, louca de faceira que eram os primeiros da família a fazer curso superior gratuito e de qualidade… foi um choque pra intelectualidade monolítica ter que lidar com a gente, atender demandas populares sobre conteúdos que falassem a nossa língua, que dialogassem com as nossas mães, com as pessoas que a gente gostaria que se afetassem com as nossas produções.

Com o passar do tempo a gente foi percebendo como as coisas funcionavam nesse meio acadêmico/artístico, notando a complexidade que é tentar existir ali, mesmo psicologicamente, muitas “externalidades” desse processo todo vieram ao longo da formação e até hoje.

Se afirmar como artista para uma pessoa que vêm do seio de grupos sociais privilegiados – que não precisam sair da sua cidade pra estudar, que não precisam trabalhar ao mesmo tempo pra se bancar, que falam inglês e podem ler as bibliografias, que chegam na universidade de carro lotando aquele estacionamento da udesc, que frequentam museus e têm acesso a programações culturais, etc, etc, etc.

Muito diferente do que foi e continua sendo pra quem não teve nada disso, mas é como se não fosse, é como se tudo isso não significasse nada, como se todas nós viessemos pra aula de carro da Bocaiúva carregadas de poéticas para trabalhar o eu lírico e mesclar Arte e Vida como aponta o último grito da arte contemporânea importada de Berlim.

“Sagu” foi, entre muitas outras coisas, uma tentativa de resposta à tudo isso. Assumi meu compromisso com os meus e encontrei meu lugar na história, que não deixa de ser um campo de disputa, cultural sim, mas igualmente material, pois a gente precisa estar viva e dispor de infraestrutura pra poder oferecer alguma resposta artística pro mundo.

 

Pergunta: O livro tem um formato híbrido, composto por imagens e escrita. Como foi o processo de preparação de “Sagu”?

Resposta: Muita gente divide comigo o rumo que o trabalho pegou pra se materializar nesse formato, muita gente mesmo. Mas a Telma Scherer foi fundamental nisso tudo, ela foi minha orientadora e por compartilhar de vários processos íntimos de vida e de arte que estão ali dentro, pode me apresentar a liberdade que eu precisava pra pensar nele assim como ele ficou, sem ter que pedir desculpas pra ninguém, nem pra língua portuguesa, nem pras vanguardas artísticas.

Eu prestava, desde sempre, muita atenção nos arranjinhos do jardim da minha mãe, da nona e das mulheres que me criaram. Muitas delas nunca leram um livro sequer, escrevem somente o necessário, não por isso deixam de ter uma relação muito íntima com a palavra. Além disso, sabem em qual lua se poda as roseiras, quanta luz que as samambaias gostam, onde fica mais bonito e feliz os gerânios… na minha cabeça aquilo era uma edição, os arranjinhos que elas organizam, que vão se transformando em cada ciclo… muito editoras elas.

A Tina Merz, que me acompanha desde o comeco, sentou do meu lado, e a partir de uma escuta muito respeitosa e carinhosa foi experimentando onde ficava melhor cada coisa, e fez um trabalho de design gráfico primoroso. Importante dizer também, como a Feira Flamboiã, projeto muito foda do Marcos Walickosky e da Gabi Bresola, foi crucial tanto na minha capacidade de inventar e organizar o “Sagu”, quanto na de muita gente do nosso meio. Eles apresentam anualmente muita coisa boa que tem sido produzida em lugares onde a formalidade hegemônica da escrita, da apresentação e da circulação, definitivamente não é suficiente. Foi muito importante conhecer e mergulhar em outros formatos e ver que era possível escutar nossa própria voz ali dentro do que eu tava inventando.


Quanto custa?

O valor do livro é R$ 29,90. O valor do almoço é R$ 29,90. Total: R$ 59,80 (para quem já possuir o livro e desejar participar do debate, basta trazer seu exemplar). As inscrições podem ser feitas presencialmente na Humana ou por meio do formulário de inscrição abaixo.

Mais informações:

Ponto de encontro: às 10h do dia 27 de fevereiro, sábado, enviaremos informações mais detalhadas após a inscrição;

Informações pelo fone/whatspp: 49 3316-4566