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Loja / Pai, pai

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Por que ler?

João nasceu em Ribeirão Bonito, interior de São Paulo, filho mais velho de uma família de classe média baixa. Desde o início, acompanha a forma rude como o pai José trata sua mãe, de origem mais humilde. É vítima, ainda criança, da violência de José, que não aceita sua natureza de “menino maricas”. Antes de completar 10 anos, João entra num seminário, para escapar do ambiente de casa. “Eu iniciava meu processo de ser outro, um homem, sem deixar de ser o mesmo filho de José, o cachaceiro.” Depois de abandonar o seminário, ele busca sua liberdade, e deixa o Brasil da ditadura para conhecer o mundo. Atravessa graves momentos políticos na América Latina e vivencia a contracultura nos Estados Unidos. Mergulha na escrita e nas artes. Mas a sombra do pai continuará sempre consigo.


Trecho

“Tudo que meu pai me deu foi um espermatozoide

O ser que sou resultou da defloração (consentida, via matrimônio) de uma mulher virgem, que recolheu dentro de si os espasmos de um homem para o qual forneceu o gozo. Não sei se aquela mocinha da roça sentiu prazer. Ou se fui gerado a partir do primeiro pânico sexual de uma donzela, tomada por medo e dor, ao receber a parte que me coube nessa conjunção carnal talvez assimétrica, tão comum entre machos dominadores e virgens católicas interioranas de antigamente. Não me compete especular sobre o entorno da minha concepção deflagrada num ritual canhestro de mistura entre prazer e pânico, ocorrido em meados de outubro de 1943. Se invado essa cena, que pertence à intimidade dos meus dois genitores, é na tentativa de rastrear o acaso que me gerou. Busco descobrir o obscuro começo da minha trajetória: como, por que e de onde surgiu esse espermatozoide tão estranho, tão improvável. Única certeza: eu sou o que sobrou de um gozo tão espasmódico quanto um esgar agônico.”

Ficha técnica